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Palimpsesto

"Para sobreviver é preciso contar histórias“

Há muitas modalidades para visitar a Feira do Livro. Há quem vá para passear e até compra um ou outro livro casual, há quem vá à descoberta e se deixe seduzir incautamente, há quem vá à procura de raridades e só passa pelos alfarrabistas, há quem vá todos os dias e tem a força de vontade para só comprar os livros do dia, há quem vá só na Hora H, há quem vá para passar o dia e assiste a tudo e participa de tudo, e há tantas outras modalidades que nem vislumbro. Não sei qual é a vossa. A minha é um verdadeiro ritual cheio de regras, que obviamente são para quebrar...

Como a Feira do Livro acontece habitualmente no mês do meu aniversário é sempre uma boa desculpa para me perder. Este ano tive de arranjar outra desculpa igualmente convincente, os aniversários dos amigos.

Regras que tenho vindo a compilar ao longo dos anos para este evento:

  1. esquecer todos os livros comprados nos meses anteriores, para não cair na falácia do, ah este ano já comprei muitos livros. Isso é irreal, os livros nunca são demais, as casas é que eventualmente são pequenas. Neste campo nunca esquecer o conselho de Nassim Taleb, os livros não lidos são muito mais importantes que os livros lidos, convém ter sempre uma boa reserva.
  2. selecionar das listas de livros, vulgo wihslist, dos livreiros online, aqueles que quero mesmo mesmo comprar e que vai saber melhor com preço de feira. E, fazer uma lista, claro, anotando o stand para depois fazer uma rota de acordo com o mapa da feira. Esta regra tem de levar em conta duas ou três adendas, o peso, ou seja, convém ter uma noção dos limites do corpo, não esquecendo que apesar da aparência os livros já foram árvores. E o espaço, porque todos sabemos que as estantes não são roupeiros extensíveis a Nárnia. Reduzimos a lista a um número simpático para os ombros, para a carteira e pensando que uma futura mudança de casa ainda está longe de acontecer.
  3. estudar o site da feira, saber quais os livros da lista que são o livro do dia e em que dias. Neste caso dá sempre jeito ter um ou outro amigo, ou uma mãe, que vão à feira em dias diferentes e que até nem se importam de passar naquele stand em particular para trazer aquela relíquia que está com um preço imperdível... este ano aconteceu com Yuval Noah Harari e Olga Tokarczuk...
  4. ver a agenda e perceber quando vão estar aqueles autores que gostaríamos mesmo de ter um livro assinado. Este ano a escolha entre Richard Zimler e José Eduardo Agualusa não foi fácil. Lá me decidi por Agualusa.
  5. convém espreitar como vais estar o tempo nesse dia escolhido, que será o único. Sou perita em escaldões de feira! Levar calçado confortável e água, mesmo que pareça não estar calor suficiente.
  6. estabelecer um plafond, que não deve ser rígido, ou seja, um limite máximo, mas com um espaço resvalescente.
  7. ir com amigos que partilhem a mesma insanidade, a típica de uma introvertida que perante um ou outro livro tem surtos de extroversão perfeitamente desadequados. Estes amigos devem ser escolhidos a dedo. Devem ser pacientes, saber que estás a mentir quando dizes, este ano não vou exagerar, mas ainda assim terem a confiança de que és boa pessoa.
  8. tentar seguir a ordem da lista. Há sempre aquele que queremos mesmo e convém começar por esse, Pat Barker O Silêncio das Mulheres, foi este ano o eleito primeira compra.
  9. a lista deve ser heterogénea, não esquecer um ou outro título de psicologia, filosofia, sociologia... este ano foi Zygmunt Bauman e Byung-Chul Han.
  10. o espaço resvalescente está guardado para os descontinuados e para os inesperados. Ainda foram uns quantos, Ivan Turguéniev, Oliver Sacks, Eurípides, James Hillman, Marion Woodman e Verena Kast.
  11. quando se atinge o limite de peso e monetário, impõe-se uma paragem para descansar, beber água e lanchar para repor as forças, saborear os títulos e aquelas relíquias inesperadas, Verena Kast, e assim se vai fechando o espaço feira do livro dentro da mente, para poder continuar não nos deixando enganar pelos sussurros das bancas.

O ritual Feira do Livro tem ainda um outro aspeto que me agrada, o entabular conversas preciosas com quem gosta mesmo de livros. Sim, porque na feira quando perguntamos por um autor e percebemos que nos responde alguém que sabe de quem estamos a falar é toda uma intimidade por momentos partilhada que raro se encontra nas livrarias, onde por norma é qualquer coisa como, deixe-me ver na base de dados, pode soletrar o nome por favor... e por estes momentos vale a feira, mesmo quando o livro que estamos à procura estar há muito esgotado, mas por erro aparecia na lista da feira como existente, Giorgio Agamben.

O ritual só termina em casa, quando retiramos os livros dos sacos, os tocamos e observamos, lemos as sinopses e os colocamos pela ordem em que acreditamos que os vamos ler, enquanto olhamos as estantes com olhar de Marie Kondo, e pelo canto do olho os espaços vazios a projetar a próxima estante.

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