Quem matou Roland Barthes?
Tarde de 25 de fevereiro de 1980, segunda-feira.
Na Rue des Écoles, uma carrinha de lavandaria conduzida por um motorista ligeiramente alcoolizado, envia, com estrondo, para as urgências do Pitié-Salpêtrière, um homem de 64 anos, inconsciente e sem documentos, que viria a morrer um mês depois, na sequência do evento. Era Roland Barthes, identificado pelo seu colega Michel Foucault. Ambos professores no Collège de France. O caso não parecia relevante, não fosse o pormenor de que Roland Barthes tinha acabado de almoçar com François Mitterrand e que a França se encontrava em véspera de eleições. Acidente ou homicídio?
A pergunta que se impõe, porque havia alguém de querer assassinar um semiólogo?!
A interpretação dos indícios não é TODA a ciência, mas o momento semiológico de toda ciência e a essência da própria Semiologia. As Mitologias de Roland eram brilhantes análises semiológicas, porque a vida quotidiana está sujeita a um bombardeamento contínuo de mensagens que nem sempre manifestam uma intencionalidade direta, mas que tendem o mais das vezes, em razão da sua finalidade ideológica, a apresentar-se sob uma aparente «naturalidade» do real.
Seguimos com o comissário nomeado para investigar o caso, Jacques Bayard, que não fazia ideia de quem era Roland Barthes. Todos são suspeitos, amigos, colegas, amantes. Da Paris académica à Paris dos clubes, das saunas, das festas, das drogas, das orgias… da política, Bayard vê-se arrastado para um mundo para o qual precisa de tradutor. Recruta Simon Herzog, doutorando de linguística, e professor, que o conduz pelo meio intelectual francês dos anos 80, e pelos meandros da linguagem e das suas funções.
Partindo da realidade, todos os personagens são ficcionados pela fantasia desejante de Binet. Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Louis Althusser, Phillipe Sollers, Julia Kristeva, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jacques Lacan, Valéry Giscard d’Estaing, Roman Jackobson, Umberto Eco, entre outros, são os personagens que desfilam numa passadeira alternativa, que por vezes se confunde com ficção, ou talvez o contrário, aliás! Se é verdade que, Althusser asfixiou a mulher no decurso de um aparente surto psicótico, no qual fantasiava massajar-lhe o pescoço, e que Kristeva terá, eventualmente, pertencido aos serviços secretos búlgaros, não é difícil imaginar Eco a dominar a arte da oratória como mestre supremo de uma sociedade secreta, o Logos Club, onde é conhecido como o Grande Protágoras, e onde os adeptos duelam através da palavra, colocando a jogo um dedo ou os genitais.
Criticado pelo tom caricatural com o qual descreve os intelectuais da época, o autor refuta ter sido não intencional, mas fiel ao que está documentado, muitas vezes pelos próprios. Laurent Binet é possuidor de um génio criativo ímpar e provocador. Começa por dizer que “A VIDA NÃO É UM ROMANCE.”, ressalvando que “É pelo menos nisso que gostaríamos de crer.” A verdade é que Roland Barthes morreu de fato atropelado por uma carrinha de uma lavandaria, no local e na data assinalados. Dir-se-ia que Binet faz uso do Efeito de realidade, conceito de Barthes, para construir uma leitura dos fatos digna da sétima arte, enquanto se apropria da hipotética descoberta de Jakobson, a sétima função da linguagem, num irónico convite a desvendar o subtexto, particularmente o político, e o desejo de dominação.
Um romance híbrido, quase policial, quase de espionagem, quase histórico, conduzido com um ritmo delirante, rocambolesco e hilariante, permeado por lições de linguística. Ao mesmo tempo uma reconstrução de época, pontuada por um sem fim de referenciais eruditos, sociais e políticos de alcance nem sempre imediato, contudo, a linguagem é fluída, acessível, por vezes obscena, por vezes hilariante, outras vezes professoral. Uma leitura eclética, indutora de sonoras gargalhadas, e com efeito aditivo. Pode causar síndrome de abstinência!
Laurent Binet, A Sétima Função da Linguagem
Quetzal