Uma questão de química
A relação com o livro é uma relação de intimidade. Acabo de ler um artigo que diz que o amante de livros gosta de os cheirar. Verdade, eu gosto. O toque, a textura, o cheiro, o design da capa, transmitem ao cérebro sensações. O primeiro impacto é sempre sensorial. E essa marca influencia muito o que vem depois. A relação com o autor. Alguns tornam-se íntimos e permanecem por uma vida, como se fossem velhos conhecidos. Ou mesmo as personagens, que se tornam tantas vezes tão reais. Mais ou menos assim:
Professor Eco! Entre entre, não imagina como tinha saudades das nossas conversas, aquela ideia de Simone passar de livro em livro, adorei! E quantos anos tinha Simone? Nunca o disse, eu sei, mas umas centenas, não? realizou a obra não foi? Diga-me se estou enganada? Que homem incrível Simone! Aceita um chá? Não, não lhe vou perguntar se já leu todos os seus trinta e cinco mil livros... eu sei, eu sei, uma chatice essas perguntas. Já viu como andam as redes sociais? Pois não viu, claro que não, está morto... e ainda bem para si, mas não para nós. Faz-nos falta o seu discernimento!
Haruki meu querido amigo, estava a escolher uma música para o nosso serão, o que me diz a Beethoven? Não? Mahler? Ah hoje prefere um jazz, muito bem, que tal Bill Evans? Perfeito, também gosto muito. Bebe alguma coisa? Hoje vou estar atenta aos seus movimentos, cada vez que estamos juntos tenho sempre a sensação que coloca alguma coisa estranha na minha bebida.... ah! Vá lá, não se ria, sabe bem do que estou a falar, coronel! Prefere antes um Sunday?
Elena minha querida, entra. Vá já podes tirar a máscara. Aqui não está ninguém. Claro, já sei como és com estas coisas, quando estamos juntas nunca trago mais ninguém. Sei bem que prezas muita a tua privacidade e não gostas nada de te expor. Estou muito curiosa, o que tens feito? Amores? Desamores? Emoções viscerais? Ah vocês os italianos são tão.... como direi?... intensos! A Lenú como vai? Sabes, às vezes dou comigo a pensar, nesta situação, o que faria a Lila? Ou a Lenú, acho que escolho sempre o conselho da Lenú, a Lila dá sempre problemas. Uma Margarita?
Caro professor Yalom, quanta honra recebe-lo. Quando terminar de o ler, já falta pouco, acho que recomeçarei uma vez e outra. Faz-me bem, eleva-me. Espero que não leve a mal, mas convidei para o nosso chá mais uns amigos, que creio vai gostar de rever, o Friederich e a Lou. Devem estar mesmo mesmo a chegar. Friederich que bom que veio, é sempre um prazer. Claro que não convidei o Arthur, já sei, já sei que não o suporta. Sabe o que eu penso sobre isso? Claro que não quer saber, que ideia a minha. No entanto convidei a Lou, espero que não se importe. De qualquer forma, para me redimir, hoje prometo que não o obrigo a ouvir a Cavalgada das Valquírias.
Zaratustra? Zaratustra? Estás aí?! Precisava mesmo, mesmo, de te ouvir... alguma novidade aí da montanha? O quê? Não percebo... demasiado quê?! Ah! sim, humanos, demasiado humanos! Pois... compreendo, inevitavelmente demasiado humanos! Mas é só isso? Zaratustra?! .... oh que velho rezingão! Já se foi embora outra vez!
Gandalf! Finalmente, onde tens estado? Bem, não vou perguntar. Ainda bem que vens, isto está complicado. Sabes, esteve cá Nietzsche, e nessa mesma semana Schopenhauer, e pronto, adoro os dois, mas depois fica assim uma espécie de bolha. E desta vez nem chamei o Franz, porque esse então... mas tinha muita vontade de o ver. Assim como Fiódor. Mas nestes tempos, nem sei se seria benéfico. Sim, sim, já fiz isso, aliás, nem me ocorreria que me dissesses para visitar o Dr. Freud. Mas assim fiz, na passada semana, ali estive a divagar no divã. Mas sabes como ele é, sempre com aquele charuto e as suas parcas frases, sempre cáustico. Faz-me lembrar o House, numa versão vintage! Já me conheces, sabes que prefiro sempre o Dr. Jung. Como está o Frodo? e os outros no Shire? Alguma novidade do Legolas? Sim, já sei que tens de ir, estás sempre a desaparecer. Bem, próxima semana já tenho marcado um chá com Espinoza. É sempre um bálsamo ouvi-lo. Até à próxima mestre!
Neil! Ah que bom, não esperava nada a tua visita! Então e que vai ser desta vez? Sabes, adorava que dedicasses uma verdadeira história a Loki, sem dramas, assim uma coisa mais real, mas colorida, claro que sim. Mas assim, sabes, onde ele fosse o protagonista. Sempre Odin, ou Thor. Aliás, Thor agora é uma estrela da Marvel, já não precisa de mais nada para satisfazer os seus desejos mais egóicos... mas conta-me, o que se passou na tua infância? Que história foi aquela da Coraline? Já ouviste falar de Jonh Bowlby? Queres falar sobre isso? Senta-te, vou buscar uma bebida. Preferes leite?!
Margareth que surpresa! Já tenho Os Testamentos na fila de leitura, é o próximo. Como está, diga-me? Muitas ideias macabras novas? Ahahaha, estava a brincar, sabe que adoro lê-la. E terapia, não? Ahahaha estava a brincar de novo. Sabe, hoje estou com um humor um tanto ou quanto peculiar. Convidei também o Aldous para este nosso chá, mas ele anda por outros mundos, acho que se ficou por uma ilha, ouviu dizer? Um chá de menta? Ah, claro que não, compreendo claro, faz-lhe lembrar a Duras. Que desassossego emocional! E o George? Tem ouvido falar dele? Sim, parece que a síndrome de Truman o atacou severamente! Sim, sim, eu sei que não está classificado, mas sabe como é, estas novas variações dos delírios persecutórios... e agora com as redes sociais... ah sim? Vão acabar? fale-me mais sobre isso...
Num café: desculpe, porque me olha assim? Conhecemo-nos? Hmm, não, desculpe... nem me dei conta. É que, sabe, você é mesmo, mesmo, a cara do João da Ega, como eu o imaginei, claro. Nunca pensei que pudesse existir! O João da Ega? Quem é esse João da Ega? Ah, deixe estar. Coisas da minha cabeça. Tenha um bom dia!
Mia, que bálsamo! Estava saudosa das tuas palavras! Já pensaste que davas um belo pintor? Ah, claro que não, já pintas as palavras de forma única. Nenhum outro como tu! Se convidei o Zé Eduardo, nem me ocorreu. Talvez de uma próxima. Eu sei, eu sei que são inseparáveis, mas gosto-vos em separado com outras experiências pelo meio. É que sabes, assim atravesso continentes mais vezes...
Kazuo, mais uma vez nos encontramos. É sempre um prazer. Ou melhor, um misto. Na verdade sempre que estamos juntos aumento o meu repertório de emoções possíveis. E o mais interessante, transformam-se em sentimentos. Perduram, e perduram... como pudeste fazer aquilo a Mr. Stevens! Ainda hoje penso nele com uma sensação de angústia. Pensar nos tantos que vivem assim as suas vidas! Sim, sim, claro que irei escrever sobre ele. Só ainda não encontrei as palavras certas.
E podia continuar... mas este post ficaria tão longo e maçudo!
E vocês? Também têm uma relação próxima com os vossos livros/autores/personagens preferidos?